
Nos anos que vivi como missionária franciscana, houve uma ocasião que eu e uma outra amiga (nos chamávamos de Irmã) partimos de Campinas em direção a Assunção, no Paraguai, para uma peregrinação.
Nosso trajeto seria a pé ou de carona, sem dinheiro, sem pertences. Somente uma troca de roupas de baixo, uma Bíblia e uma cabacinha de água, que percebi, só no caminho, que precisava de preparo prévio, pois estava deixando a água totalmente amarga, impossível de consumir kkkkk
Andamos bastante e pegamos caronas em alguns trechos. Mas, em determinado momento, no trajeto a pé, fomos surpreendidas por uma forte chuva, uma dessas tempestades, que encharcou nossos hábitos e véus (os trajes usados por nós na época).
Nos abrigamos debaixo de um viaduto, na rodovia, aguardando a chuva dar uma trégua. Mal dava para enxergar o que havia pela frente. Era muita água caindo.
Quando a chuva passou, percebemos que estávamos próximas de um posto de gasolina, com restaurante. Já era cerca de 16hs e ainda estávamos apenas com o café da manhã no estômago.
Chegando no restaurante, pedimos um pouco de comida, uma caridade. Fomos muito bem recebidas e, de boa vontade, nos ofertaram uma refeição e um quartinho para passar a noite.
Esse quartinho era onde guardavam peças de caminhão e objetos do Posto. Havia um colchão de solteiro onde eu e minha companheira de missão dividimos o descanso.
Fazia muito frio e nossas roupas molhadas. Nos abraçamos nos pés uma da outra para nos ajudar a aquecer. Não pense que isso foi sofrido como parece na narração. Eu e a outra Irmã éramos muito bem humoradas e levávamos tudo com alegria, paciência e leveza.
Preciso registrar que um gentil caminhoneiro nos deu chocolates de sobremesa. Foi até nossa mesa, enquanto almoçávamos, e nos presenteou com dois bombons. Agradecemos e percebemos que realmente Deus sempre providencia mais que o necessário: não só a comida, a sobrevivência, mas a satisfação, a alegria de saborear coisas que apreciamos.

Tua providência vela por mim como uma mãe
No dia seguinte, continuamos bem cedinho nosso trajeto, agradecidas pela caridosa hospitalidade. Ao retornar para a estrada, com os hábitos molhados e o frio da manhã, iniciamos nossas orações, nossas canções, nossas agradáveis partilhas pelo caminho. Os ossos doiam de frio.
Para nossa alegria e alívio, o sol surgiu, bem quente. Em pouco tempo nossos hábitos estavam totalmente secos.
Eu posso compartilhar, não só por essa vez, mas, especialmente por essa vez, qual é a sensação que a gente tem quando nos molhamos e não temos uma troca de roupa; quando estamos com muito frio e, de repente, surge o sol quentinho: a gente sente o calor como um abraço acolhedor, aquecendo nosso corpo e nosso coração.
Caminhando na estrada, sem mais frio, eu experimentei o que São Francisco sempre vivenciava: a conexão com a criação, o abraço do irmão Sol, a alegria da comunhão com a natureza, a beleza da vida renascendo ao meu redor, vida abundante, onde toda a criação de Deus tem espaço e tem unidade.
Deus realmente nos visita e fala conosco através da criação. Nas estradas, na peregrinação, essa presença se torna muito mais perceptível. Naquele episódio eu senti frio, incômodo e fome. Mas, em seguida, abraçada pela vitalidade do sol, recebi o que eu precisava: calor no corpo e na alma.
Não tem preço que pague a experiência de uma alma aquecida pelo amor de Deus e de suas criaturas.

“Altíssimo, onipotente, bom Senhor, teus são o louvor, a glória e a honra e toda a bênção. Somente a ti, ó Altíssimo, eles convém, e homem algum é digno de mencionar-te.
Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas, especialmente o Senhor Irmão Sol, o qual é dia, e por ele nos iluminas. E ele é belo e radiante com grande esplendor. De ti, Altíssimo, traz o significado”.
-São Francisco de Assis-
Muito obrigada pela presença e pela partilha desse momento! Um abraço franciscano!
Não tem preço que pague a experiência de uma alma aquecida pelo amor de Deus e de suas criaturas.
– Natureza da gente –